Foi no passado dia 1 de agosto, mesmo nas vésperas da visita papal, que o Presidente da República fez promulgar a tão polémica lei de amnistia[1], a qual, pelos vistos, abrangerá – a partir do dia 1 de setembro, data em que entrará em vigor – apenas os jovens com idades entre 16 e 30 anos. Mas será mesmo assim?
Ora, o âmbito desta tal amnistia está previsto no seu artigo 2º e os seus dois confusos números. Vejamos, enquanto que o nº 1 desse tal artigo estatui um intervalo de idades, para a aplicação da amnistia quanto a “sanções penais relativas aos ilícitos praticados até às 00:00 horas de 19 de junho de 2023 (…) nos termos definidos nos artigos 3º e 4º (dessa mesma lei)”, o nº 2 já não indica esse mesmo intervalo de idades, quanto à aplicação da amnistia em casos de “Sanções acessórias relativas a contraordenações praticadas até às 00:00 horas de 19 de junho de 2023, nos termos definidos no artigo 5.º; b) Sanções relativas a infrações disciplinares e infrações disciplinares militares praticadas até às 00:00 horas de 19 de junho de 2023, nos termos definidos no artigo 6.º”
Quer isto, portanto, dizer que, nos casos previstos desse nº 2, não há um intervalo de idade específico para aplicar a amnistia em questão? É do nosso entender que não.
Deste modo, uma pessoa de 50 anos, que praticou um ilícito rodoviário, poderá não ser amnistiado quanto à sanção penal que lhe recaia, mas pode muito bem, a nosso ver, beneficiar do perdão de sanções acessórias contraordenacionais que se apliquem a este, exceto se estiverem previstas no elenco das exceções à amnistia, que o diploma prevê no seu artigo 7º.
Mais acrescentamos que o diploma aqui em estudo nada diz acerca da distinção entre pessoa singular e coletiva, apenas referindo-se meramente a “pessoa”, sem especificar mais. Ora, é óbvio que a lei se refere às pessoas singulares, mas são descuidos como este, por parte do legislador apressado, que criam oportunidades (a quem as souber usar), onde elas não deviam existir.
Vale ainda a pena referir que a lei da amnistia usa duas terminologias diferentes, utilizando por vezes explicitamente a palavra “amnistia” e, por outras, a palavra “perdão”. Estamos a falar de coisas iguais?
Ora, segundo o parecer P000611990, da Procuradoria Geral da República, em que é citado o discurso de um deputado acerca da revisão constitucional de 82, "Entre a amnistia e o perdão genérico há uma diferença conceitual. A amnistia é uma forma de extinção do procedimento criminal; o perdão genérico é uma forma de extinção, total ou parcial, da pena. A amnistia dirige-se ao crime, apaga-o, fá-lo cair em esquecimento; elimina os efeitos jurídicos da infracção, suprime a incriminação. O perdão dirige-se à pena. O perdão faz pressupor a perpetração da infracção, não a elimina ou extingue; apaga, total ou parcialmente, os efeitos penais da infracção, mas não apaga o próprio crime que desencadeou aqueles efeitos. O perdão não faz cair o crime em esquecimento, contrariamente à amnistia" [2]
De modo a concluir, este diploma peca já a partir do seu anteprojeto, onde – mesmo ouvindo duras críticas – o legislador indicou que a amnistia apenas abrangeria os jovens entre os 16 e 30 anos. Várias foram as propostas de alteração que os partidos políticos apresentaram, mas nenhuma deu resultado. Mas, para nossa surpresa, nesta versão final, já promulgada pelo Presidente da República, parece que o critério da idade tão defendido é apenas parcial, aplicando-se somente a sanções penais, e já não para sanções acessórias contraordenacionais. E este raciocínio funda-se no que foi dito pelo Presidente, no seu site oficial, onde se pode ler:
“Considerando o mérito da amnistia e perdão de penas no contexto da visita do Papa e a larguíssima maioria parlamentar que aprovou este diploma, e não obstante a contradição entre o limite etário para a sua aplicação a crimes, mas sem limite de idade para a sua aplicação a contraordenações, não querendo prejudicar os beneficiários já previstos no âmbito da lei, embora lamentando que a amnistia não tenha efeitos imediatos, pois só entrará em vigor a 1 de setembro, o Presidente da República decidiu promulgar a Lei da Amnistia, sem prejuízo da avaliação posterior da questão do respeito pelo princípio da igualdade, com o objetivo de poder ser alargado o seu âmbito sem restrições de idade.[3]” (sublinhado nosso).
Portanto, é neste aparente entendimento do Presidente da República, que fundamos o nosso. Ou seja, o diploma, para que a amnistia seja aplicável, exige um intervalo específico de idades, mas, já não é assim, se estiver em causa um perdão de sanções acessórias contraordenacionais.
O autor:
Pedro Alexandre Morais Felizardo
A restante equipa do Gabinete de Advogados:
José Carlos Rufino Ribeiro
Carla Rufino Ribeiro
Tito Lívio Loureiro
Raquel Santos Costa
[1] Lei n.º 38-A/2023 de 2 de Agosto, a qual pode ser consultada em: https://diariodarepublica.pt/dr/detalhe/lei/38-a-2023-216630826 [2] Como pode ser consultado em: http://www.gde.mj.pt/pgrp.nsf/7fc0bd52c6f5cd5a802568c0003fb410/10a6d408a0b7d43e802582960052e054?OpenDocument&ExpandSection=-3 [3] Como se pode consultar em: https://www.presidencia.pt/atualidade/toda-a-atualidade/2023/08/presidente-da-republica-promulgou-lei-da-amnistia/
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